para começarmos muito bem esse ano de 2011 estou publicando a entrevista que fiz
com a Campeã Brasileira de 2010 de Dificuldade, após 7 anos de hegemonia da também paulista Janine Cardoso que disputou com Thais até a última agarra, SENSACIONAL !!!
Thaís, que tinha acabado de vencer o Conquista Open de Boulder, não teve muito tempo para treinar vias e como ela diz na entrevista a preparação foi mais psicológica, mas valeu !!
Parabéns, Thais !!
Comecei a escalar com 9/10 anos, mais como brincadeira do que como esporte. Tudo começou quando minha irmã Ana Luisa, com 15 anos na época, viu pessoas escalando na Pedra do Baú em São Bento do Sapucaí (SP) e quis fazer um curso de escalada em rocha. Depois meus pais fizeram o curso também e então toda a minha família começou a freqüentar a academia 90 graus em São Paulo. A escalada está na minha vida desde as minhas mais antigas lembranças.
2 – Como foi seu começo nas competições?
Com 11 anos de idade comecei a participar de competições, mas eu realmente não ligava muito para o meu desempenho, queria escalar e quem sabe no fim ganhar prêmios! Isso foi fundamental para que eu desenvolvesse o controle emocional e o espírito esportivo, já que comecei perdendo várias vezes e isso não me desanimava, pois todos me incentivavam bastante.
3 – Como é seu dia a dia, sua rotina de treinos?
Minha rotina, após alguns anos treinando com o Rômulo Bertuzzi, se tornou bem mais flexível e mais leve se compararmos ao que eu fazia. Basicamente faço muitas “sessions” de boulder com os amigos, cerca de quatro vezes por semana, e tenho ido para a rocha com mais freqüência. O fato de ter treinado forte antes fez com que eu tivesse uma base sólida, e desde então pude me virar bem com isso. Porém a partir de agora sinto que posso estagnar num nível e só conseguirei ultrapassá-lo se voltar a treinar forte de novo.
4 – Você tem algum cuidado especial com a alimentação? Tem um nutricionista que te acompanha?
Tenho uma mãe que se preocupa muito!
Atualmente trabalho muito perto de casa, então posso almoçar todos os dias a comida da minha mãe, que nunca faz frituras nem coisas gordurosas, e sempre procura colocar na mesa refeições balanceadas e variadas. Assim fica fácil comer bem, o único problema é quando chega o fim de semana...
5 – Além de seus treinos indoor, você faz algum treinamento aeróbico?
Devido a um problema congênito no coração, preciso praticar exercícios aeróbicos regularmente, porém não sigo à risca essa recomendação e sinto que isso dificulta meus treinos.Agora que não estou podendo escalar (machuquei o cotovelo e antebraço em uma queda de um boulder) retomei com mais disciplina estes exercícios e já estou com tudo certo para começar a nadar também. Por enquanto estou fazendo esteira e exercícios para pernas e abdômen na musculação.
6 – Como foi sua preparação para o Brasileiro, cuja modalidade é de dificuldade, já que você vinha treinando forte para “boulder” por conta do Conquista Open onde você foi a campeã?
Minha preparação foi mais psicológica, pois não estava treinando nas vias. Cheguei bastante ansiosa e senti que estava escalando muito mal na via da semifinal. Consegui me acalmar na via da final e superfinal , podendo assim escalar com mais rapidez e precisão para não gastar tempo e energia. A força que desenvolvi nos treinos de boulder ajudou e muito na via da superfinal.
7 – Eu estava lá em BH e presenciei as superfinais com a Janine (hepta campeã brasileira), como foi essa disputa? Você ficou surpresa com o resultado?
A disputa foi acirrada, porque no fim acabei ganhando por muito pouco! Fiquei muito surpresa, mas antes de entrar na via eu imaginei que tinha essa pequena chance porque haviam muitos movimentos fortes em uma via relativamente curta. Um boulder gigante, pensei.
8 – O que você achou no geral dessa etapa em BH? Esta etapa foi ótima, com muitas pessoas assistindo, participando, torcendo, muita gente de todos os níveis de escalada. Boa organização, boas vias, bons prêmios! Espero que tenham mais etapas agora em 2011!9 – Vi que as atletas estão cada vez mais fortes e mais obstinadas, além da Janine tem a Ana Luisa, sua irmã, a Anna Shaw, Mariana Gomes e Luana Riscado, entre outras, é assim que você vê também?
As mulheres estão vendo que podemos ser tão boas como os homens. Fora do Brasil isso já é realidade, e acho que aqui estamos aos poucos percebendo que isso é possível com treinos fortes e regrados. São esses treinos e essa motivação que nos faltam.
10 – Com esse título na mão, você acha que vai ser mais fácil conseguir apoios e patrocínios, pois com essa sua conquista você pode inclusive até conseguir a bolsa atleta do Ministério dos Esportes?
Espero que seja mais fácil, mas ainda não tenho certeza, pois a escalada não é muito conhecida pelo país. Ainda chamam escaladores de alpinistas, ainda acham que o que fazemos é rapel. É preciso esclarecer e divulgar o que realmente fazemos, e são coisas difíceis de fazer no país do futebol. Quanto a bolsa atleta do Ministério dos Esportes, fiquei sabendo que poderia conseguir uma quando o prazo já havia acabado... No entanto, a bolsa só é válida para atletas sem patrocinadores ou apoios, e no caso estou preparando um bom projeto de escalada e quem sabe consigo algo. Pelo menos desta vez meu currículo está melhor que o de 2009...
11 – No RJ temos 4 etapas no Estadual que é na modalidade “boulder” por ser mais fácil de organizar e mais atrativo e emocionante para quem assiste. Como você vê o papel das Federações e Associações, como organizadores de campeonatos? O que pode melhorar?
É muito difícil o trabalho das Associações e Federações relacionadas a escalada. Todas tem que trabalhar com pouca verba, muitas pessoas trabalham de graça, muita coisa depende da boa vontade e do favor de outras, e eu sei disso porque meus pais ajudaram a fundar a Associação Paulista de Escalada Esportiva e passaram muitas dificuldades.
Acredito que os campeonatos de boulder possam ser mais atraentes para o público leigo e para as marcas que quiserem patrocinar um evento, pois é uma modalidade naturalmente mais dinâmica onde acontecem várias escaladas curtas ao mesmo tempo, não vira uma coisa monótona para quem nunca viu. Talvez este seja o caminho para divulgar de forma mais eficaz o esporte, principalmente porque para começar a escalar nos boulders, tudo o que uma pessoa precisa é de magnésio, sapatilhas e vontade, e no caso das vias é realmente necessário que se faça um curso e que se comprem mais equipamentos. É um caminho muito mais longo e complexo. Faz algum tempo que tenho visto os campeonatos de boulder como a melhor solução para a divulgação da escalada, principalmente como esporte de competição.
O que pode melhorar no país é a comunicação entre a comunidade escaladora, suas federações e associações, pois ainda me parece uma comunidade muito dividida. Com mais gente se comunicando, talvez fique mais fácil levar os campeonatos adiante.
12 – O que falta para termos mais meninas competido? Aqui no RJ temos uma boa média de competidoras, mas esse não é o quadro pelo resto do país, é?
Temos mesmo poucas meninas escalando no país, e pelo menos ao meu redor o que tenho percebido é que muitas delas querem escalar, mas este não é um esporte para ser praticado sozinho, e muitas delas vão sozinhas a academia e não conseguem convencer outras amigas a tentar também e acabam desistindo por terem vergonha de escalar com pessoas que não conhecem. Além disso, muitas acreditam que o esporte é pesado, deixa as mãos feias (isso é verdade...) e o corpo feio (isso não é verdade!).
Para que tenhamos mais meninas e mulheres escalando é preciso deixar um pouco para trás o estigma de que este é um esporte radical, perigoso e de gente maluca. Tenho visto em algumas revistas femininas que esse mito já está sendo quebrado. A escalada tem sido recomendada como um esporte mais seguro do que se pensa, bom para manter a forma, desenvolver coordenação, concentração, força e resistência. Quando pratiquei ginástica olímpica, corria mais riscos de me machucar feio ou de me lesionar do que fazendo boulders. Claro que a escalada é um esporte que exige atenção e habilidade para garantir a segurança, mas em compensação é infinitamente gratificante e emocionante, temos contato com a natureza, empurramos nossos limites e tentamos superá-los. É definitivamente um estilo de vida e é muito saudável e prazeroso.
13 – O que você acha da situação dos campeonatos em São Paulo, já que não têm acontecido campeonatos oficiais, pelos menos na categoria máster não, inclusive desistindo de fazer a etapa do Brasileiro em cima da hora?
São Paulo está passando por um período difícil na escalada, tendo sido realizados apenas campeonatos de boulders de forma esporádica. Além disso, uma academia de escalada importante fechou recentemente, diminuindo a quantidade de locais para a prática do esporte na cidade que diferentemente do Rio de Janeiro, por exemplo, não conta com locais próximos (maravilhosos e invejáveis) de escalada em rocha, para piorar ainda mais a situação. Assim menos pessoas são atraídas para o esporte.
O porquê de não acontecerem campeonatos da categoria Máster é justo a falta de atletas participantes, diversas vezes a organização do campeonato preparava tudo e poucos atletas apareciam, não valia a pena. Inicialmente no feminino e depois no masculino os atletas começaram a desaparecer. E o pior é que existem muitas pessoas do nível máster escalando, porém elas não enxergam o quanto é importante para o esporte apoiar e participar de um evento desses. Já vi muitos homens não participarem de campeonatos na categoria Master porque “sabem” que vão perder de escaladores como o Belê, o Cesinha e o Felipinho, e isso é uma visão distorcida. Se fosse assim eu nunca teria começado a participar de campeonatos porque eu tinha certeza que ia perder.
Falta incentivos para essas pessoas, a renovação dos atletas não tem acontecido. Por isso acabou-se focando os campeonatos paulistas para as categorias amadoras e intermediárias, para que se formasse essa camada de atletas que farão parte do Master mais para frente.
Acredito ser uma crise que logo mais deverá ser superada, e espero que a motivação volte para todos.
14 – Você objetiva competir em etapas do Mundial em 2011, já que você agora é a nossa Campeã Brasileira?
Eu gostaria muito de participar de pelo menos uma etapa da Copa do Mundo este ano, já que nunca competi em boulder fora do país a não ser no Chile em 2008. Mais do que isso, gostaria de conhecer locais como Fointainebleau, Hueco Tanks e Buttermilks, onde eu poderia sentir o nível dos boulders estrangeiros na rocha e também passar bons momentos.
15 – Quanto a patrocínios e apoios, o que você acha que falta para que haja um maior interesse das empresas brasileiras em apoiar e patrocinar os campeonatos?
Falta um esclarecimento maior das empresas sobre o que é o esporte, para que elas possam analisar em que o patrocínio pode beneficiá-las. Além disso, temos uma grande desvantagem, pois o esporte é relativamente novo e ainda não está oficialmente nas Olimpíadas. Se entrar nas Olimpíadas, vai ser o maior passo que já demos até agora.
16 – E quanto a escalada em rocha, você tem algum projeto importante em vista?
Tenho alguns projetos bem importantes este ano. Muitos boulders em São Bento do Sapucaí para tentar, como o “Jack Sparrow”, v10, que foi o boulder em que caí e machuquei o cotovelo na queda. Estou parada desde o início de dezembro até agora por causa disso. Queria tentar também o “Calibre 12”-v9 e o “Cabelo Liso sit down”-v9 que estavam bem encaminhados até eu me machucar, e claro, o clássico “Virilha Completa”-v10 que alguns amigos mandaram recentemente e me deixaram na vontade.
Queria ainda conhecer lugares como Conçeição do Mato Dentro (MG) e Igatu (BA), me falaram sobre boulders sensacionais e paisagens muito bonitas.
17 – Já traçou planos para 2011? Vai priorizar alguma competição?
Basicamente, assim que me recuperar plenamente do cotovelo e antebraço, vou começar um treino mais forte e tentar dedicar mais tempo a isso. Quanto às competições vou ter que me virar conforme elas forem aparecendo, e a prioridade será mesmo tentar viajar para competir lá fora e tentar os boulders de São Bento.
18 – Você já pensou em desenvolver algum outro trabalho nas competições como: “route-setter”, juíza?
Já trabalhei como juíza em campeonatos amadores em que, acreditem, tive que dar broncas porque os competidores estavam trapaceando. Não conseguiria trabalhar de juíza tendo que me preocupar com essas pessoas.
Por outro lado tenho muita vontade de ser route-setter de algum campeonato de boulder, mas vou ter bastante trabalho para acertar a mão, já que geralmente eu demoro bastante para montar os boulders dos treinos...
19 – O que você diria para as meninas que estão começando a escalar e que pensam em competir futuramente?
O esporte realmente deixa as mãos com calos, mas não acaba com a feminilidade! É um ótimo exercício físico, mais legal que musculação (pelo menos em minha opinião), desenvolve a concentração, o autocontrole, a coordenação, o equilíbrio. Conhecemos pessoas fantásticas neste meio, muitas para toda a vida. Ficamos mais relaxadas também, pois ao escalar esvaziamos a cabeça dos problemas e sentimos prazer em tentar superar nossos limites. É um esporte que também não tem um limite de idade, pois meus pais começaram tarde e acharam maravilhoso.
Já competir é algo saudável desde que você saiba como fazer isso. Quando comecei nunca pensei nos resultados, somente no quanto eu melhorava a cada participação. A concentração e o autocontrole que desenvolvi participando desses eventos são coisas que me auxiliaram em mais de um aspecto da minha vida. Tornei-me uma pessoa menos ansiosa e mais confiante. Aprendi a vencer e a perder e ambos são difíceis de lidar, mas é bom conseguir ver o quanto você cresce passando por tais experiências.